segunda-feira, 29 de novembro de 2010

da série das razões

I - Eclodir

dá-nos, senhor,
a culpa de cada dia.

II - Causa

porque querer não pode ser jamais querer além do que deus te dá. porque a vitória é chegar onde se está. porque à frente não existe senão a morte. porque a poesia tem que residir na pequenez. porque de grandioso só há o indizível.

III - Milagre

o que eu senti não importa. um verme, do pó. isso aos olhos do pai, de seus filhos todos, de quem quer que seja mais ou mesmo de mim.
escolher estar de olhos abertos é luxo que só a fé explica e estou farta de coisa santa nesse mundo.
milagres, o milagre da vida, o milagre do parto, o milagre do leite vertido, milagres bobagem.
os doutores dizem que o que eu senti mexer foram gases. só gases.

IV - Energia

"esse bagulho de energia é a maior viagem."
sim, é a maior viagem. uma viagem que vai e vem, uma onda louca. se tu tá a fim, coloca a mão aqui e sente a maior energia. é. só. o maior barato, aí.
mas, aí, se liga só, o bagulho do movimento aqui dentro não é de gases não, tá ligado? e se eu não tô a fim, nem dá pra tirar a mão e não sentir. é. nem.

V - Importância

sabe, eu gostaria de nem me importar com as coisas que faz ou deixa de fazer.
é que esse bagulho de energia, tá ligado? tá ligado.

VI - Aprendizado

tudo nessa merda tem um motivo. a gente diz que acha que tem mas a gente sabe que tem.
sou peixes com ascendente escorpião.
saber de menos requer muita fé. excessiva intuição me levou à descrença e, sei não.
queria mais o que fazer, mas sinto gases se movendo em meu intestino.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Composizione per tre voci

Primo Movimento - Acqua

pp
Bambino tum.tum.tum.tum.tum.tum.tum.tum.tum.tum
Mamma tum........tum........tum........tum........tum
Pappà ................................................................

ff
Bambino tum.tum.shhh....shhh....tum.tum.tum.tum|
Mamma tum.tum.tum.tum.tum.tum.tum.tum.tum.tum|
Pappà ................ah!.............................................|

terça-feira, 23 de novembro de 2010

quer saber

onde estão as coisas que escondi na gaveta?
onde estão as coisas que escondeu na caixa?
qual a importância de ter tudo guardado enquanto os muros estão ruindo ruindo ruindo?

quer saber?
as coisas que escondi na gaveta não estão mais na gaveta.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

incapaz de perceber o punhal que dedilha dessa dor só minha.
a prenhez o abismo da janela ao térreo cordas estas sim de aço.
ficou tudo lembrança de lá de onde não estive e ele gozou da minha cara nela nelas tantas quantas.
simplesmente nada escrito em verso pelo agudo transverso ao meu peito ainda mudo pescoço cordas.
atirei os copos na parede sim.
não porque não quisesse mais a coisa sagrada mas porque não entendo querer a faca o pai.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

lista de compras

sabonete, sabão em pó, margarina
papel toalha, condicionador, desodorante,
leite, trigo, ovos
alguma coisa que ainda tem me trazido à caneta ao papel

sexta-feira, 16 de julho de 2010

da incomunicabilidade I

deixar de mim apenas um risco intenso
esses poemas de poucos verbos
tudo o que poderia ter sido ação demais
a verdade do que foi e teve seu fim digno
deixou para trás o que poeira dissolveu

tanto despeito meus poemas não são difíceis
virar a página e toda poesia já subtexto
despertar e todo amanhã já presente
falecer e toda vida já memória

publicado já o título não comporta esses versos
deixar para trás os endereços a família

lançamento

Caros "leitores" (por mais irônico que seja tratá-los assim neste blog),

Tenho o prazer de convidá-los para o o lançamento do meu segundo livro de poemas, você não lê, que sairá pela editora oficina raquel junto com as medicinas, de sebastião edson macedo.

A noite de autógrafos ocorrerá no dia 20 de julho, terça-feira, no Bar Luis, a partir das 19h.

Bar Luis:

Rua da Carioca, 39 • Centro • Rio de Janeiro.


Junto com o livro, sairá o cd lida, com leituras de alguns poemas do livro por Ronaldo Lima Lins, Cinda Gonda,
Sebastião Edson Macedo, João Pedro Fagerlande, Manuela Berardo, PH Wolf, Jimmy Charles Mendes, Rafael Lemos e Rayssa Galvão. Participaram também, no violão: Gabriel Otoni e Rodrigo Pastore, baixo: Rodrigo Pastore, flautas: Arthur Souza e Sebastião Edson Macedo, sanfona: Fred Michael Tkotz. o Rodrigo e o Gabriel foram os produtores.

Confira algumas faixas no www.myspace.com/pastorejulia.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

tem gente que eu olho e fico numa nostalgia de tempo
mas que passa porque não é naquela gente que eu sinto
é na gente que conhece a gente que eu amo
é no que eu fui sem ter me dado conta e hoje
eu olho e me vejo tão estúpida, mas uma nostalgia

eu tenho a minha gente que eu amo e que me desperta
mas tem gente que me faz lembrar delas e é mais estranho que amar gente
e é maior, porque é um amor escondido na indiferença

eu tenho o que eu me amo em mim
mas tem gente que me traz uma que fui e não me escondo na indiferença
e é um sentimento que tudo está acabando
que os ápices são desgastes e que tudo
pode acabar o que
eu sinto e tudo os ápices

e não é a gente que move isso tudo agora foi
apenas o meu anel que eu rodei parecia uma lagarta








terça-feira, 29 de junho de 2010

pensava no carrinho de rolimã

o que eu precisava era de matar o meu amor um pouquinho. eu continuava amando de enorme, mas as coisas que eu deixava de doer é que eram. eu precisava mesmo era de nem ter chegado nisso de amor, que o meu é imensidão demais, mas quem faz que volta essa coisa que é toda que é? o que eu precisava agora nunca que dá tempo de ser e já era outra coisa que eu teimo que é o mesmo meu amor que nem foi que nem seria mais. eu precisava, mas não é preciso viver quanto necessário é.

sabemos de cor a auréola das horas

sabemos de cor a auréola das horas
ainda assim, fazemos passar a dor no céu
vale o peso de meio corpo doado aos santos
mas o santo inteiro doa seu corpo éter ao peso
e que fazemos com toda essa míngua
a sapiência a sabedoria, o saber
que fazemos com tudo isso quase nada aqui dentro
deixa passar a dor dos seus olhos nela
deixo e eles me voltam ao seio
a sapiência a sabedoria o saber
e a melhor noite da vida a selar o passar das horas de uma
______________________ [vida inteira

quinta-feira, 3 de junho de 2010

que filiar o outro é toda mãe que eu sou
mas meu cordão d'umbigo rompe antes dos mês
a coisa toda do meu amor vai d'embora
só fica eu mais as crianças

no dia que os olhos do outro se acorde
lá estou eu de fora daqueles ventrão todo
e hei de tá fora pra mor de olhar ni mim meus santo
mas daquela força imensã

se desce das corredeira não que vem chuva:
não foi nem chuva veio
vai banhar comigo nas cachoeira
veio ribeirão de água e levou nós

mas três avemaria e passa o pai
e se passar, meus santo que me acode pra eu não querer filho dele nenhum

terça-feira, 4 de maio de 2010

empresta-me, Jimmy Charles?

Sofá II
Não há sol, nem mar.
Nem mesmo a fome que não importava,
sequer a imagem que exagerava
em duplicar a mente.
As mãos...Sim, as mãos
continuavam atadas
esperando sorrateiramente
o atravancar de meus sonhos.
O só é contínuo,
pois o artista é ingênuo
e sua obra, desnuda.
Tempos se passam,
passam-se as vidas,
mas a lida do poeta
é sentida, rosnada
e enterrada num intenso blefe
de ser por todo sempre
apenas um sofá.

(agosto 2006)- - Jimmy Charles Mendes

as coisas e as palavras

..................."Somos vistos ou vemos?" Nietzsche

deixa que eu leio a minha vida
já que os versos me fogem à autoria.

se são dores e mágoas, julgamentos e ataques, se assim lê,
ok, são meus, usarei-os se quiser.

não há regra para o meu vi(ver)
-sejar
não há regra para eu pensar
a mesquinharia consigo que é uma escrita de benfazer.

esta poesia de merda me rende mais que anúncios
me alivia a ânsia por respostas
e eu não encontro.

esta poesia de merda permite que tu te leias
és lido pelo poema, compreendes?
por isso não lês.

quarta-feira, 31 de março de 2010

escrevendo menos

menos em volume,
meu bem

justificável pelas disciplinas obrigatórias
pela intensidade do pulso
pelas certezas correntes a ir e vir

pela cor violácea do crepúsculo
pela trilha sonora do movimento três
pelas intempéries do fim de março
(há quem diga ainda que minha escrita é misteriosa, cifrada)
imagina...

menos em volume,
mas uma coisa estranha aconteceu.
recebi a notícia da morte de uma pessoa,
e esbarrei com ela no mês seguinte
era ela mesma.
percebi que alguém se enganou antes de me assustar.

quinta-feira, 4 de março de 2010



fico mais jovem com os cabelos escuros
com as unhas da cor da moda
usando vestidinhos cor de rosa.

fico mais jovem de mãos dadas
com a voz mais aguda
ansiosa pra ele chegar.

fico mais jovem no fim de semana
e durante a semana toda
se acordo no ombro dele.

fico mais jovem e a jovialidade me basta
mais que um poema-katana
mais que qualquer teogonia sórdida
mais que saber que a arte é
sem função pré-determinada
a jovialidade me basta e eu comungo disso em vez
de escrever um poema.

voltei a estudar violão.
larguei os livros de filosofia.
estou de férias até 29 de março.
faço aniversário segunda-feira.
vou fazer uma festinha no domingo.
escrever atrai mulheres...
de fato.
mulheres, queridas, não se atraiam por mim.
não enquanto eu estiver no colo dele.
amigos, queridos, tragam um fuminho aqui pra casa.
vou fazer um rango vegetariano.
vou fazer uma caipirinha.
aqui na minha casa em que habitam pessoas de verdade.
com corações de verdade.
que escrevem e pintam nas paredes.
que fumam seus cigarros (e os meus).
que riem quando cai um pedaço do reboco do teto (é a vida).
todo o trauma da vida não é maior que não ter amado, não ter sido amado.
e, aqui na minha casa, de verdade, ama-se.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

baixada

a gente pegava kombi na central para ir lá ver
era tanta criança dentro da gente que soltava até pipa
jogava até bola
tomava até banho de mangueira

se eu quebrasse os versos não
seria tanta verdade quanto os olhos do meu filho
e os meus olhos de criança depois na sua
cama porque foi lá ver comigo

qualquer coisa que se viva agora não
seria nada do que vivi naquele dia enorme
eu faria uma canção pra você
eu faria um bolo de chocolate
mas eu faço esse sorriso que vai no céu e volta aqui
onde você sabe ler

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

no verso do cupom fiscal

podemos nos olhar nos olhos

pedir um abuso, coisa de companheiro

falar mais baixo, deixar que nos leve a brisa da voz

acordar amanhã de manhã e ver como a luz do sol nos acaricia e renova

estar preparados para o gande amor que nos ressuscita

deixar o verso sair assim, como aconteceu

observar o que nos cerca sem conclusão, só observar

viver a dimensão de cada dia

viver as dimensões de si

confesso

como é bom sentar no colo dele
e ser acolhida assim, pequenininha
ter saciadas as vontades
eu acreditava e queria, eu já o conhecia, mas só agora sentei no colo dele
fui tomada pela mão de deus e ele disse
como é bom dizer de amor ao amor
ele sabe e eu fui capaz de entender agora e ele viu meu amor
como é bom se sentir pequenininha a mulher que sabe trovejar.
como é bom.

bem-aventurado o deus que me fez
e o homem que me pôs no colo assim, pequenininha.
confesso, ainda, que sempre acreditei num deus que fosse desse tamanho.

sorrir e cantar como bahia

.......................................(obrigada, novos baianos, por inspirare)


houve tempo que era cirurgia
houve ainda o que era o chegar do tempo
quem sou se edita hoje em dia pelo que se diz que seja
e nunca é
muda o endereço, vê, e busca a mesma pessoa
tem-se a impressão de que a realidade é fake profile
(R$120,00/ mês - anúncio na primeira página online)
quem ele vai encontrar nele mesmo?
odeia-se a carta, a palavra, o e-mail, a traição, a fotografia
acabou tocare, falare, olhare, pensare, chorare

"abre a porta e a janela
e vem ver o sol nascer"

e o sol nasce, vem ver.
depois que se desliga duas semanas o tempo do que se é
passa-se a estar.
e muda-se o perfil sem dar ctrl+v

a gente ouve um som
a gente transpira
a gente pula no quarto
ácido
a gente grita e se beija
a gente corta o dedo a barba a perna da calça
a gente faz bermuda
a gente faz as pazes
(todo mundo bole)
a gente esquece o que ontem se disse de ser
e vem estar




terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

não lembro
estavam lá as imagens
eu via do parapeito com uma enorme vontade de ir embora
faziam-se versos muito bons
não lembro
transformou-se a vontade de ir embora em pedido pra ficar
fiquei
fiquei e perdi os versos
eles eram leituras tão perecíveis
eram muito bons versos
não lembro
fiquei e não lembro os versos antigos
muito bons


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

escuta
a verdade é o que digo aqui
eu queria dizer
escuta
olha pra mim
eu queria dizer.

a gente estava lá em cima, lembra?
quando olhei nos seus olhos, achei que vi
e os meus estavam
eu queria dizer que os meus estavam
e que não sei mais onde estarão
mas estavam.

a verdade é que o tempo podia voltar, parar, correr
mas o tempo nem existe para tal
fico aqui pensando enquanto o tempo passa
mas ele custa a passar agora
meu pensamento custa a passar agora.

a verdade é que tanta coisa podia ter sido diferente
menos o que foi, a verdade.
e o tempo agora custa mais a passar.
e dói.
ele tentou se atirar da janela com grades. ele tentou tomar uma cartela de comprimidos vencidos. ele tentou cortar os pulsos com uma faca sem serra. ele se jogou na frente de um carro poucos segundos antes do sinal fechar. ele foi socorrido pelos bombeiros no mar sereno de copacabana. ele arrebentou o lustre da sala com a corda que amarrou no pescoço. ele cheirou 5g de cocaína fraquinha, muito misturada. ele pediu a jesus cristo que lhe tirasse a vida.

até que ele conheceu alguém que lhe abriu as grades. alguém que era homeopatia. alguém que lhe deu a mão. alguém que o levou a uma bela cachoeira. alguém que lhe preparou um jantar à luz de velas. era vegetariana. era budista.

ele não queria morrer mais.

ele foi dirigindo até o alto da montanha para gritar lá de cima que não queria morrer mais. olhava para a floresta e, no meio-fio, o espiavam as garrafas plásticas abandonadas. percebeu-as. notou que as garrafinhas azuis formavam um corredor iluminado para fora da pista. resolveu seguir. por entre as árvores, os pedaços de plástico reluziam. resolveu descer do carro e foi.

ela ficou cerca de dois meses esperando que ele voltasse, mas não.

ela tentou se atirar da janela com grades. ela tentou tomar uma cartela de comprimidos vencidos. ela tentou cortar os pulsos com uma faca sem serra. ela se jogou na frente de um carro poucos segundos antes do sinal fechar. ela foi socorrida pelos maconheiros na sete quedas. ela arrebentou o galho do flamboyant com a corda que amarrou no pescoço. ela pediu a buda que lhe tirasse a vida.

ela não queria morrer de fato.
mas foi uma história de amor.
é porque cada amor é uma experiência totalmente nova pra ti
e nada se acumula.
e vc não tem como aprender do passado.
porque é tudo novo e diferente.
e quando é igual vc não quer mais

sábado, 30 de janeiro de 2010

apenas isso

dentro de mim um assassinato de idéias e amores
e um telefonema
(gozado como os assassinatos são voláteis e as idéias sempre cruas)
madurei

dentro de mim de novo o gozo infantil e correspondente
- oi, meu amor!
e meu sorriso cai de novo trôpego de identidade e calmaria

dentro de mim a espremida categórica de pesos, medidas, incensos
outro telefonema
(houvesse algo consciente a perceber estaria se rindo todo)
- diz, meu amor...

bobagem essa coisa toda
apenas isso, que eu não vou conseguir mesmo dizer, apenas isso
olha só que bom

quarenta anos

Quarenta anos é demais pra uma mulher. Prefiro quarenta e dois. O Papa tá passando pito nos jesuítas; plantei um pé de samambaia que não vai pra frente de jeito nenhum. Galinho garnizé é galinho à-toa, atrevimento empenado. Quem sofre convulussão, se for de excesso epinético, pode olhar que fez misturada de manga com goiaba. O açougueiro e sua faca me expulsam, porque eu não tenho santidade, eu não sou digna de pôr meus pés no lugar mais deprimente do mundo. Quando quero ficar humilde eu visito os açougues, entro de um em um, pra ver as mulheres de chinelo de borracha, apertando os pedaços com aqueles dedos grossos que não merecem anéis. Se eu não ficar doida, é saúde demais. As testemunhas de Jeová distribuem grátis seus folhetos apologéticos, mas a Igreja católica, que eu adoro, é dureza. Caso me dessem audiência ia sair humilhada, precisando de calmantes, porque iam me massacrar com respostas perfeitas. Tivesse coragem, começava do zero, mas como dizia meu pai, gente de orelha grossa é preguiça pura. Mais que faço é almoçar a jantar muito bem e borrar de medo de tudo. Escola é uma coisa sarnenta; fosse terrorista, raptava era diretor de escola e dentro de três dias amarrava no formigueiro, se não aceitasse minhas condições. Meu menino tem a cabeça ruda, profissão boa pra ele é de mecânico. Quando acabarem as escolas quero nascer outra vez. Sou didática, catequética, apologética, por isso não tenho um minuto de sossego, pego o dízimo de tudo. Quem viaja a jato acha que põe o mundo no bolso, ilusão fugaz. Minha mãe nunca foi em Belo Horizonte e a vida dela foi um microcosmo. Deus é tão bom, imagina que fez minha tia Hilda morrer, exatamente agora, quando precisava de dinheiro, eu, que sou a única herdeira dela. Fez os inquilinos de Jorge passar fintão nele, até ele aprender a deixar de ser sovina e dar o barracão pra nossa filha morar. Matou de desastre o Orlando e a Cleonice, mas me curou da dor de escadeira pra eu poder criar os cinco filhos deles. As irmãs carmelitas me incomodam demais e médico parece que tem o rei na barriga. Tem um escritor tão ruim, ler livro dele é como entrar nos açougues. Em matéria de amor, ainda invento. Festa, não. Quero morar na roça ou em cidade pequena onde as mulheres são faceiras, depois casam, depois põem o cabelo pra trás da orelha e desgraçam a fazer biscoito de polvilho, sulcam a cara no tacho, no forno, na cama, pra agradar marido, agradar neto. Se for, me avisem. Tem coisas que, sabendo dizer, conferem muita importância: “a sagrada rota”, “as valquírias”. Falar comigo: seu texto é muito bom, eu não acredito, porque escrever assim é sopa. Agora, falar que é ruim, me incomoda e é capaz de eu sofrer. A poesia existe, ou é falácia, pruridos, psicologismos? Se assim for e eu descobrir, me epitafiem: desgraçada, fora da graça, banida. Onde está Castro Alves que ia fundar comigo uma dinastia e morreu antes, de gula e pressa? A mulher de Dom Pedro sofreu humilhações e não teve importância? Então o Imperador do Brasil pula muros e as coisas continuam do mesmo jeito? Só movi dez dedos pra minha filha ser rainha do inverno, ela foi só princesa. Nenhuma de nós sofreu porque aquele não é o modo de no-nos dizermos eu te amo. Deus sublunarie non curat. Se não derem um jeito no padre Quevedo explicando tudo à luz da parapsicologia, o catolicismo no Brasil se esfarela. Como é que eu vou viver num mundo onde as coisas se parecem a seus nomes? Com Guimarães Rosa, não, é incesto. Tem gente de primeira, de segunda e de terceira e os marginais, todos de primeiríssima. Que olhos de fogo têm os presos! Visite uma cadeia em Medellín: “Señor, señor” você fica sem relógio, sem caneta, sem uma resposta no bolso. “Marisol, Mariso-ol”, eles gritam no pavilhão dos homossexuais. Quantos anos tem a humanidade? Que estou eu fazendo que ainda não desviei aviões, dinheiro, vendi meu corpo a preço de banana? O tempo ruge. Quero vender é a alma, virar comerciante, plantar dois mil pés de laranja, comprar adubos, arranjar um caminhão pra pegar as frutas na chácara e levar pra São Paulo. Faço dupla sertaneja, tenho um programa no rádio e só canto música da minha autoria. As mulheres me olham é da cintura pra baixo, a vida é uma maravilha, não fosse a velhice. Juventude de espírito eu não quero, acho muito ridículo a alma fazendo trejeitos. Já viu mangueira velha? É assim que eu quero. Do ponto de vista biológico a morte é naturalíssima. Mas e o olhar que me puseram quando eu fiz treze anos? E o absoluto desapontamento do homem que foi na cidade grande e entrou por engano no banheiro de ELAS? E o meu lábio tremendo quando tive que explicar pra superiora: Não trouxe os dez cruzeiros porque o pai este mês só recebeu a metade. O médico falou comigo: não coma sal se quiser viver mais. Peco, se comer assim mesmo? Os cemitérios da minha terra não dão vontade. Eu quero é o seio de Deus, quero encontrar Abraão e me insinuar junto dele, até ele perder o juízo e me fazer um filho que terá muitas terras e ovelhas. Emancipada eu não quero ser, quer ser é amada, feminina, de lindas mãos e boca de fruta, quero um vestido branco de rendas e um cabelo macio, quero um colchão de penas, duas escravas negras muito limpas e quatro amantes: um músico, um padre, um lavrador e um marido. Quero comer o mundo e ficar grávida, virar giganta com o nome de Frederica, pra se cutucar na minha barriga eu fredericar frutas, água fresca, as pernas abertas, parindo. Por dentro faço mel como colméias, põe tua língua no meu favo hexágono. As quatro vias são de Santo Tomás, santo opulento e sábio. Eu tenho a via-crucis e a via-láctea. A via Dutra é mortal, a via Mão não dá pé. Quem dá o grito primal paga caro o analista, quem dá o grito vai preso, quem escreve feito eu esgota o zumbido de seu ouvido, mata um a um os marimbondos, com agulha fina, nos olhos. Não posso ver trouxa frouxa, amarro até ficar dura.

Adélia Prado

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

anunciação










......................pirassunungamente, brindemos

sabe lá deus quando olhei pra baixo e vi
os quatro pés no mesmo passo
picolé pros meninos
trocando ao sol os pés que se tocam à lua

sabe lá deus o que era de dentro de mim
quando eu o circundei com a minha língua
assim, assim sim, que assim seja
o sorriso tecido pela flor única do asfalto
sua pétala que me leva no céu

sabe lá deus e eu nem precisava
mas ele me enviou um anjo


deus enviou

eu te amo e este
não é aquele que é meu e vai ao outro
eu te amo e este
é um dos dias em que me comunico
eu te amo e este
desconforto no meu ombro é reflexo do quanto
eu te amo e este
calo no meu dedo da aula de violão
eu te amo e este
não acaba como todos os que foram até mais
eu te amo e este
poema é de gratidão e afeto e remédio
eu te amo e este
é o melhor lugar pra dizer

bom dia, meu amor
eu fiz o teu café machista

*************

as coisas dizem
sem tentar dizer
e tudo vai dito
a quem possa ver.
o mundo que passa
não se pode ver
o passo
o tapa
o acerto
as coisas dizem a sós
as coisas dizem a
as coisas dizem
as coisas
as

sábado, 16 de janeiro de 2010

renova elas no samba

quando lembrei da água pelo joelho
(a gente prometeu passar um álcool e hoje riu)
percebi a força que a vida tem nas palavras.

percebe.
ontem centro samba chuva tanta gente ali.

a tempestade era uma coisa ruim
o centro da cidade era feio e sujo
e vazio
a minha liberdade de escolha era faca
e o amor não era.

percebe agora os meus olhos
e a luz que essa coisa toda me trouxe.

creio que agora ele é.